Texto de Lucas Mauricio
A Colônia Juliano Moreira, ou simplesmente Colônia, completou 100 anos recentemente e sua história é permeada de vários capítulos que ajudam a contar a história de Jacarepaguá e da cidade do Rio de Janeiro.
Hoje, uma área habitada por moradores de classe média baixa já foi lugar de internação para pessoas julgadas loucas.
Sendo assim, muitas coisas ocorreram no local, mas o que realmente aconteceu nesses 100 anos e até antes disso? É isso que vamos descobrir.

O Início
Na verdade, como toda a região, a história da Colônia se inicia por volta do século XVII, integrando o Engenho da Taquara.
Em 1664, o terreno foi desmembrado, originando-se ali a Fazenda Nossa Senhora dos Remédios.
No ano de 1778, a área ganha o nome de Engenho Novo da Taquara, sendo que o núcleo original do engenho ainda existe e hoje é parte do Núcleo Histórico Rodrigues Caldas.
Dando um salto para o século XX, em 1912, as terras pertencentes aos engenhos Cana-de-açúcar e Fubá são desapropriadas.
Em 1919, inicia-se a construção da Colônia de Psicopatas Homens de Jacarepaguá, um projeto idealizado pelo psiquiatra Juliano Moreira e implementado pelo médico João Augusto Rodrigues Caldas.
Com uma arquitetura colonial, o projeto saiu do papel e funcionou por décadas, sendo oficialmente inaugurado em 1924.
O Funcionamento
Em 1927, começou a ser aplicada a técnica de convulsioterapia e, em 1936, a lobotomia começou a ser utilizada, sendo aplicada na unidade por mais de vinte anos.
Em 1944, quando do fechamento do Hospital da Praia Vermelha, os pacientes da unidade foram transferidos para o Centro Psiquiátrico Nacional, no bairro do Engenho de Dentro, e para a Colônia Juliano Moreira.
Em 1955, a clorpromazina foi utilizada pela primeira vez no Brasil.
Esse medicamento foi responsável por inaugurar a categoria dos neurolépticos, que são um grupo de fármacos utilizados para controle das doenças mentais, em especial as psicoses.
Em parceria com a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, em 1966 ocorreu o encaminhamento de 307 crianças e adolescentes, possuindo diagnóstico psiquiátrico ou não, para a internação na CJM.
Muitas dessas crianças acabaram por passar o resto de suas vidas na instituição.
O ano de 1974 ficou marcado pelo início da diminuição de novas internações na Colônia, devido aos avanços da farmacologia e à expansão do setor privado, através da contratação de leitos em múltiplas clínicas e hospitais psiquiátricos que possuíam convênio com a União.
Essa migração para o setor privado ficou conhecida como “Indústria da Loucura”, já que gerava lucro ao explorar a internação sem se preocupar com a qualidade do atendimento prestado aos seus usuários.
Quatro anos depois, foi criado o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, grupo formado por profissionais de saúde que questionaram a qualidade do cuidado presente nos manicômios.
Essa mobilização acabou por resultar na Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Os anos 1980
Em 1980, os horrores presentes na Colônia Juliano Moreira foram denunciados pela grande mídia.
A enorme repercussão causada pela divulgação mobilizou a reformulação dos maiores manicômios do Brasil.
Isso acarretou o fechamento da CJM para novas internações, as celas fortes foram abertas e os eletrochoques punitivos, chamados de “miudinhos”, deixaram de ser utilizados.
Dessa forma, iniciou-se um processo de ressocialização dos pacientes. Novos profissionais foram contratados com o objetivo de inserir os internados na sociedade novamente.
A criação do CRIS (Centro de Reabilitação e Integração Social) reabilitou os pacientes ao trabalho.
O Legado
O dia 27 de outubro de 2022 marcou um momento histórico.
Depois de 98 anos, o núcleo Franco da Rocha fechou suas portas, marcando assim o fechamento definitivo do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, o complexo que chegou a abrigar, em seu auge, 5.300 internos em seus 79 hospitais e pavilhões.
O último manicômio carioca fechou as suas portas de forma definitiva.
O local, que por décadas foi um lugar de internações precárias e com falta de recursos, sofreu com a estigmatização, mas ainda que seja marcado por episódios trágicos da história hospitalar brasileira, sua existência também trouxe bons frutos.
Cem anos da Colônia Juliano Moreira
Parte de suas terras foi transformada no Parque Estadual da Pedra Branca, uma das maiores áreas de preservação ambiental do Rio de Janeiro e a maior floresta urbana do planeta.
A cultura presente no local também é viva; o Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea preserva as artes do mais famoso paciente do local.
Em 2009, o prefeito Eduardo Paes tentou emancipar a Colônia, porém, sendo uma área isolada do restante da Taquara e com uma estrutura precária, a ideia foi barrada.
Atualmente, o sub-bairro é povoado por pessoas de baixa renda e conta com a presença de favelas que ocupam cerca de 10% de sua área, sendo outros 50% reserva de Mata Atlântica.
Com a construção do Corredor TransOlímpica, a Colônia ficou mais integrada com outras partes da Zona Oeste.
A mesma conta com duas estações do BRT, sendo elas a estação Outeiro Santo e a estação Colônia (Museu Bispo do Rosário), as quais infelizmente sofrem com assaltos.
Alguns grupos defendem a criação de um parque público nas terras da Colônia, como uma forma de reviver e preservar a localidade, sempre pensando na importância histórica do local.
Em 2024, a Colônia Juliano Moreira completou 100 anos.
Com uma história de inovações, turbulências, desigualdade social e integração, o local resiste e preserva a memória dos que já estiveram lá, sendo isso um enorme motivo de orgulho para os moradores da região de Jacarepaguá.
Referências do artigo Colônia Juliano Moreira: 100 anos
Rio fecha o Instituto Juliano Moreira. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/10/26/rio-fecha-o-instituto-juliano-moreira-ultimo-manicomio-da-cidade.ghtml
Dissertação de Beatriz Fartes de Paula: Reconstruir é Preciso: Narrativas e Memórias da Antiga Colônia Juliano Moreira. Disponível em: http://app.uff.br/riuff/handle/1/31157
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